O avanço da tecnologia e inovação tem incomodado o mercado tradicional. Cada vez mais presente em diversos setores, estratégias de marketing, aplicativos e novos serviços surgem para facilitar a vida do consumidor. Porém, existe um setor em que o tradicionalismo é ainda muito forte e a implementação de novas ferramentas tem deixado muita gente antiga assustada. Nada mais nada menos que o setor jurídico e de serviços correlacionados. Incomodados com as inovações que evitam burocracias, tentam dar contornos de ilegalidade para a execução de novos serviços legítimos, como os prestados pelas lawtechs LiberFly, Resolvvi, Air Help e Quick Brasil.
Tradicionalistas enxergam a inovação como revolução. Talvez seja mesmo. É difícil sobreviver ao mercado sem manter-se atualizado. Voraz e inquieto, empresas disputam a aquisição de clientes. Do outro lado da balança da deusa Thêmis, órgãos reguladores tentam manter a disputa justa. Porém, os mesmos reguladores que deveriam proteger os interesses da população, tendem a optar pela burocracia ou manutenção do status quo, vivendo uma realidade à parte dos problemas da sociedade.
Munidos de tecnologia e disposição para inovar, startups surgem para dar mais opções ao consumidor. Em 2014, tivemos o primeiro embate: Uber x Táxi. A polêmica percorreu do Oiapoque ao Chuí. Hoje, quem imagina viver sem os serviços prestados pela Uber? Além disso, nasceram concorrentes de peso, como a 99 Pop e, mesmo assim, taxistas continuam a prestar seus serviços (lidando com a concorrência, dessa vez). Agora, é dada aos clientes o poder de escolha: podem optar desde a empresa até o tipo de carro para transitar pela cidade em qualquer horário.
Para que a justiça proteja o cidadão e o livre comércio, é necessário criar leis reguladoras e efetivas ou interpretá-las de modo correto ao invés de restritivo, assegurando o direito de todos, incluindo a livre iniciativa e livre concorrência. Evidentemente, oligopólios tradicionais serão diretamente atingidos por modelos de negócios inovadores. É o caso das lawtechs, empresas e startups que utilizam da tecnologia de análise de dados para lidar com as leis e julgados. Após 7 anos da polêmica com os aplicativos de motorista particular, o foco da vez são as startups que adquirem direitos de crédito dos consumidores decorrentes de problemas aéreos (cancelamento, atraso de voo e extravio de bagagem, por exemplo) e de negativação indevida por bureaus de crédito.
Ao buscar enquadrá-las como escritórios de advocacia (?), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tenta acabar com a prestação de serviço dessas empresas que antecipam futuros ativos judiciais de consumidores lesados e apenas informam, através de conteúdos didáticos nas redes sociais, os casos passíveis de aquisição. A OAB já notificou 95 empresas e pressiona o congresso para prender quem supostamente exercer a advocacia de forma ilegal – o que, ao contrário do que sugere a entidade, não é feito por essa lawtechs.
O quão problemática é essa ação da OAB? Acompanhe abaixo!
O que são as lawtechs e qual a sua importância?
As lawtechs são empresas que usam da tecnologia para acabar com a burocracia no Direito. Ou seja, são negócios voltados para a solução de problemas dos consumidores lesados por meio da análise de dados. Os brasileiros sabem, mais do que ninguém, o quão burocrática são nossas leis. Muitos nem têm conhecimento de que foram lesados e como podem ser ressarcidos. Por isso, o compromisso dessas lawtechs é educar o seu público para que possam receber uma contrapartida pela lesão de seus direitos com mais facilidade.
Segundo a Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs, existem mais de 100 empresas do ramo no Brasil. O que deveria ser parte da educação básica de todo brasilero, o conhecimento das leis é fora da realidade da maior parte da população. Isso nos torna mais vulneráveis para as grandes empresas quando, na verdade, somos nós que deveríamos ter o controle da situação.
Porém, trabalhar para a diminuição da burocracia e aceleração dos processos no meio jurídico, por meio da simples análise de dados, não significa oferecer serviços da advocacia. Significa dar mais segurança e facilidade para que os consumidores lesados recebam uma contrapartida financeira pela violação ao seu direito. Revolucionando o setor, startups como a LiberFly desenvolvem tecnologias capazes de precificar o ativo judicial futuro (o dinheiro que o consumidor prejudicado receberia da justiça), pagando o cliente antecipadamente e arcando com os ônus e bônus do processo. Mas como a população vai saber de um serviço como esse?
A maior parte das lawtechs utilizam-se do marketing digital para, antes de tudo, conscientizar a população sobre seus direitos e, nessa medida, realizar uma primeira filtragem de seus clientes. Afinal, é impossível entrar no mercado tecnológico sem a comunicação direta com o público através das redes sociais e site. Mais polêmicas à vista, né?
Setor aéreo: educação e dados
Não é de hoje que a OAB tenta impedir o funcionamento completo de empresas como LiberFly, Resolvvi e Quick Brasil. Desde o surgimento da LiberFly, em 2016, o setor aéreo vem sofrendo uma verdadeira revolução quanto à busca por direitos. Mesmo assim, apenas 5% dos passageiros lesados pelas companhias aéreas buscam sua indenização. Mais alarmante ainda é que em 60% dos casos a empresa aérea não informa o consumidor sobre seus direitos em casos de atraso, cancelamento e extravio de bagagem.
Reuniões importantes, compromissos pessoais e férias são arruinadas pelas companhias aéreas e as mesmas saem impunes em 95% das vezes. O argumento de que as lawtechs fazem marketing jurídico é contraditório, considerando que em nada se assemelham com os escritórios de advocacia. O que essas empresas voltadas para facilitar a vida do cidadão fazem é conscientizar os consumidores sobre seus direitos, por meio da análise de bancos de dados de julgados passados, para que possam saber se seu problema é passível de aquisição. Afinal, as startups especializadas no setor aéreo promovem uma solução eficaz para os passageiros lesados por companhias aéreas, seja intermediando o conflito na busca de um acordo amigável entre as duas partes, seja adquirindo e antecipando o ativo judicial futuro ao consumidor, que não vai precisar esperar anos para receber seu dinheiro.
Portanto, lawtechs como Resolvvi, LiberFly e Quick Brasil atuam na esfera extrajudicial em conformidade com a Lei nº 13.140/2015, e com o Código Civil, seja fazendo da mediação a melhor forma de sanar o conflito entre as partes ainda na fase administrativa dos acordos, seja antecipando parte do valor a que o consumidor faria jus em uma eventual ação reparatória contra a empresa aérea, através de uma cessão de crédito.
O setor jurídico está inquieto e necessitando de inovação. Leis antigas são contestadas e o tradicionalismo da área já incomoda muitos profissionais. Alegar que as lawtechs são escritórios de advocacia e que “tomam” o espaço do advogado é tentar conter uma revolução mercadológica iminente a partir de uma leitura equivocada de seu modelo de negócio. Para os dinossauros do Direito, um alerta: atualize-se para sobreviver ao meteóro da inovação.
Publicidade, Propaganda e Polêmica
Empresas de diversas áreas enxergam na internet uma nova fonte de aquisição de clientes. Como um dos grandes efeitos da pandemia, esse movimento aumentou consideravelmente. Segundo dados da Compre&Confie, mais de 20 milhões de consumidores compraram digitalmente pela primeira vez nesse período. Só no Brasil, o e-commerce cresceu 41%, segundo o relatório feito pela Ebit | Nielsen e Bexs Banco. E o que isso tem a ver com o setor jurídico, publicidade e propaganda? Tudo!
Advogados e escritórios de advocacia são proibidos de realizar publicidade no Brasil. Aliás, foi com esse argumento que empresas como LiberFly e Resolvvi foram impedidas de criar conteúdos importantíssimos para os consumidores, apesar de jamais exercerem atividades advocatícias. Mesmo com o grande marco da internet diante dos nossos olhos, por que o Estado não consegue enxergar que o marketing pode beneficiar toda uma sociedade acostumada a “deixar pra lá” abusos e serviços mal prestados das empresas? Aliás, toda uma sociedade que nem ao menos sabe os seus direitos, o que é mais absurdo ainda.
Vamos pegar o “Avião Legal” e pousar nos Estados Unidos. Sem atrasos, partimos para a Casa Branca e abrimos o livro do Tio Sam para entender como funciona o marketing jurídico por lá. A Suprema Corte dos Estados Unidos entende que a liberdade de expressão permite o marketing jurídico contanto que não seja enganador.
Atualmente, um advogado norte-americano pode fazer divulgar seus serviços no em jornais, folhetos, materiais promocionais e sites, além de palestras e seminários. Porém, antigamente os advogados enxergavam o marketing jurídico antiético. Atualmente, eles não imaginam um sistema diferente do qual não exista publicidade e propaganda.
Voltemos à terra tupiniquim sem cancelamentos ou overbooking. Diferente do Avião Legal, há uma chance superior a 11% de você ter um problema aéreo como atraso e cancelamento em um voo nacional com as companhias aéreas tradicionais, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Lawtechs surgiram para apresentar soluções inteligentes aos consumidores nesses casos e hoje estão na mira da OAB por conta da divulgação de conteúdo sob a suspeita de marketing jurídico. Mas pera aí. Como uma lawtech que apenas divulga seus serviços e informa o consumidor sobre seus direitos por meio de análise de casos passados vistos pelo Tribunal é obrigada a não divulgar mais nenhum conteúdo que beneficie a sociedade?
Mais concorrentes, mais opção para o consumidor
“Quem tem medo da concorrência?” seria uma ótima pergunta a se fazer. Mas não é o caso da Air Help, Resolvvi e LiberFly. Com serviços voltados para a aquisição de direitos creditórios de passageiros lesados por companhias aéreas, essas lawtechs têm forte apelo social. Isso porque, em pouco tempo, conseguiram de fato impactar o setor aéreo.
Coincidentemente (ou não), desde a elevação da busca dos consumidores pelos seus direitos, a OAB tem lutado na justiça contra o exercício do marketing dessas lawtechs, acusando-os de concorrência desleal com advogados, publicidade ilegal e exercício irregular da advocacia.
Em maio de 2021, a 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro condenou a LiberFly a se aabster de fazer qualquer anúncio, publicidade ou divulgação de ofertas para captação de clientes, seja de forma física ou digital. A Ordem dos Advogados do Brasil alega que a empresa estaria prestando serviços de asseoria jurídica indevidos, mesma acusação feita contra a Resolvvi, Quick Brasil e Voe Tranquilo.
Entretanto, a disputa está muito longe de acabar. No dia 28 de agosto, o juiz federal Antonio Henrique Correa da Silva extinguiu o processo contra a lawtech Quick Brasil sem discutir a legitimidade das práticas da empresa e do pedido da OAB fluminense.
Já no caso da Resolvvi, a derrota da OAB foi ainda mais evidente. Enfatizou-se que “não é adequado nem aceitável, no contexto do que chamamos de sociedade 5.0, que a OAB possa tolher ou mesmo tangenciar o acesso dos cidadãos à informação sobre seus direitos. Isso não se confunde com exercício da nobre profissão” e que a liberdade de expressão da livre iniciativa se faz necessária por ser um “setor fértil em violações”.
Justiça, pra que te quero?
A falta de regularização devida no surgimento de novos tipos de serviço é prejudicial para o consumidor brasileiro. Enquanto o mesmo for lesado por oligopólios e nem sequer ter o amparo dessas empresas ou conhecimento dos seus direitos, estamos largados ao tradicionalismo jurídico e à burocracia.
Enquanto a balança da Deusa Thêmis pesar contra o consumidor, sua espada continuará cega para punir os culpados e sua venda cairá. Lawtechs serão punidas à revelia pelo crime de inovação e a sociedade não terá conhecimento de seus direitos. Negar o avanço tecnológico, o marketing e, principalmente, o novo momento do serviço e do direito é negar a própria evolução do setor jurídico.
Esperamos que a balança volte a se equilibrar, que os culpados experimentem a lâmina da justiça e que a venda cubra tudo, menos a verdade. Justiça, pra isso te quero!